Macau foi o último reduto português no Oriente e no ano em que se celebra o décimo aniversário do processo de transição, muito continua por fazer pela presença portuguesa na região.
Perto de quinhentos anos, foi o tempo que durou a presença portuguesa no Oriente. Dez anos é o aniversário da entrega do último reduto – Macau – à China. Praticamente nula, é a cooperação económica entre Portugal e o Oriente, via Macau.
A presença nacional na região do sul da Ásia, desde o século XVI, foi fundamentada numa lógica comercial cujo adágio se encontra na rota das especiarias e das sedas.
No mundo actual, em que a economia domina a existência das sociedades contemporâneas e em que a ligação à emergente China é tida como fundamental para a manutenção no mercado competitivo, Portugal parece ter esquecido a sua ligação à região oriental do planeta, e muito especificamente a Macau.
Quando Portugal, em Dezembro de 1999, transferiu a administração do território macaense à China era já evidente a necessidade de investir na zona, mais que não seja pela manutenção das especificidades da região, integrada num sistema económico capitalista, muito virado para o ocidente e não tanto para o mundo oriental e comunista.
Os esforços do nosso país neste âmbito tornaram-se muito difusos e são representados, na sua essência, por esforços de ligação diplomática e cultural.
Já em Fevereiro de 2009 foi colocada a circular uma petição para evitar esta transacção na qual era possível ler-se que “a venda preconizada e defendida pela Fundação Oriente permite uma receita de uns cinquenta e tal milhões de patacas, mas priva a comunidade de língua portuguesa, e não somente os portugueses, de um espaço essencial, único, cuja propriedade ainda é de uma instituição portuguesa e, maioritariamente, do Estado Português”. Uma venda que acabou por não acontecer, mas que respondia na sua essência a objectivos económicos, relegando, uma vez mais, para segundo plano a manutenção da cultura e identidade portuguesa na região.
Contudo, não é só o trabalho do IPOR que procura manter e reavivar a cultura portuguesa em Macau. A colmatar a falta de interesse estão a Fundação Belchior Carneiro – que procurou antecipar a saída dos portugueses do território, construíndo um lar em Portugal para acolher esses retornados macaenses que fossem mais necessitados, mas que sofreu um atraso de concretização bastante acentuado à merce de questões burocráticas e cujos objectivos saíram algo gorados quando o fluxo de macaenses para Portugal se verificou reduzidíssimo; a Fundação do Oriente, que procura desenvolver acções de cariz cultural, educativo e até mesmo filantrópico no nosso país e em Macau, com o intuito de preservar a ligação entre Portugal e a RAEM; ou até mesmo a organização da Festa da Lusofonia, que no seu décimo segundo aniversário em Outubro último teve a presença do Embaixador de Portugal em Pequim e do Cônsul-Geral em Macau, para quem as celebrações são fundamentais na medida em que ajudam a estreitar os laços de interculturalidade que unem as duas sociedades.
Assim sendo, fica-se com a sensação de que as iniciativas pela preservação do vínculo português vão além da preservação dos monumentos e do ensino da língua de Camões.
Todavia, a actividade destas instituições não fica longe de cometer erros, como foi o da tentativa de venda, por parte do IPOR, da Livraria Portuguesa em Macau.
De facto, já em Fevereiro de 2009 foi colocada a circular uma petição para evitar esta transacção na qual era possível ler-se que “A venda preconizada e defendida pela Fundação Oriente permite uma receita de uns cinquenta e tal milhões de patacas, mas priva a comunidade de língua portuguesa, e não somente os portugueses, de um espaço essencial, único, cuja propriedade ainda é de uma instituição portuguesa e, maioritariamente, do Estado Português.” – uma venda que acabou por não acontecer, mas que respondia na sua essência a objectivos económicos, relegando, uma vez mais, para segundo plano a manutenção da cultura e identidade portuguesa na região.
Ao constatar que as iniciativas portuguesas em Macau se centram, essencialmente, na difusão e manutenção da língua, torna-se algo sintomático o desinteresse português para com o território, a sua herança e, mais ainda, para com as pessoas, alguns nacionais outros luso-descendentes, ainda que sejam exactamente eles que personificam o maior legado do nosso país, como refere Vítor Serra de Almeida: “A comunidade macaense, mais do que as pedras, mais do que as ruínas de São Paulo, é a comunidade macaense, é aquele grupo de famílias, os Xavieres, os Sousas, os Silvas, enfim, toda uma série de gente que é portuguesa, sente-se profundamente portuguesa, que vive em Macau com as características de uma comunidade mista, mas continuando fortemente portuguesas e a lutar pela presença portuguesa e cultura portuguesa.”, o antigo Presidente da Casa de Macau em Lisboa vai ainda mais longe ao considerar que o sentimento de abandono para com esta comunidade é tão grande que a mesma se sente profundamente ressentida com o executivo português face ao seu desinteresse – um sentimento que pode também ser extendido a comunidades como a de Malaca.
Deste modo José Luís Sales Marques preconiza que a herança cultural portuguesa em Macau pode estar perto de desaparecer: “a herança portuguesa, fundamentalmente das pessoas em Macau pode correr riscos de desaparecer. É claro que as pedras da calçada irão ficar eternamente mas não e essa herança que nós queremos.
Queremos muito mais. Queremos, fundamentalmente preservar a herança portuguesa relacionada com a cultura e com a língua portuguesa.
Queremos que a língua portuguesa seja aprendida e ensinada por muitos e sobretudo para aqueles com menos recursos económicos em Macau.
É preciso haver um grande esforço e fazer com que as pessoas percebam que vale a pena estudar o português como língua internacional”, reforça. Um caso que contribui para que a diáspora cultural portuguesa esteja perto do fim.
Em termos diplomáticos, contudo, a presença portuguesa tornou-se fundamental, sobretudo quando analisamos a influência que o nosso país tem na relação UE-China, como nos diz José Luís Sales Marques.
O Presidente dos Directores do Instituto de Estudos Europeus de Macau (IEEM) e último Presidente do Leal Senado de Macau é peremptório ao afirmar que “Portugal tem procurado introduzir um diálogo estratégico entre a China e a UE no conhecimento do desenvolvimento sustentável e tem procurado desenvolver, através do diálogo que tem tido com entidades, a chamada vertente externa.
Tem procurado, fundamentalmente, criar laços de sustentabilidade neste relacionamento. Portanto, nessa perspectiva, Portugal tem apresentado, dentro daquilo que se insere na sua capacidade, no sentido em que não é um país grande, uma posição muito positiva no diálogo entre a China e Europa.”, contribuíndo de um modo essencial para a manutenção e melhoria das relações luso-chinesas. Será de ressalvar que o conhecimento que os cidadãos têm destas medidas é praticamente nulo, deixando em aberto a necessidade de se dar a conhecer um pouco melhor as actividades diplomáticas nacionais, sobretudo no que se refere à relação com antigas colónias portuguesas, indo sempre mais além do Brasil e de Angola.
Porém, e em paralelo com a diplomacia e a cultura, a questão da influência económica portuguesa na região deixa muito a desejar, e coloca questões estratégicas muito importantes para o crescimento e desenvolvimento não só do nosso país, mas também das relações externas.
De um modo geral, a RAEM possui uma economia fundada no jogo, sendo já apelidada de Las Vegas do Oriente, e no turismo de luxo, associado muitas vezes ao reduto cultural português na região.
A UNESCO , em 2005, declarou o território de Macau como herança cultural histórica, mas o interesse português é praticamente inexistente. As empresas nacionais não consideram apelativo o investimento na região macaense, abstendo-se de considerar estratégica a posição do nosso país face ao mundo ocidental e de Macau perante o oriente.
A “miopia completa”, apelidada por Sales Marques, é a posição tomada pela a transportadora aérea nacional (TAP) que dois anos antes da transição do território para a China suspendeu os voos de ligação semanais que mantinha com Macau.
A justificação que Isabel Palma, Directora de Comunicação e Relações Públicas da TAP, deu à “Raia Diplomática” para a suspensão dos voos foram razões estratégicas da empresa.
Mas são exactamente as motivações estratégicas do Aeroporto de Lisboa face ao mundo que poderão sustentar o investimento nas ligações, para além, claro está, das motivações sociais e culturais de interesse para a ligação de Portugal a Macau, conforme refere José Luís Sales Marques. “Isto foi sempre um sonho das pessoas de Macau que são portuguesas como eu. Sempre sonhei que a TAP manteria uma ligação a Macau mas infelizmente isso não aconteceu e, infelizmente, o que eu vejo, agora nos jornais, nem se trata de uma tentativa para que isso aconteça.
Independentemente das razões de ordem financeira e económica que possam ser argumentadas a favor desta posição, lamento imenso que, do ponto de vista estratégico, isso venha a acontecer. Acho estranha esta posição dado que a TAP, no passado, falou deste interesse em desenvolver laços com a Ásia, laços comerciais tendo em conta que a Ásia poderia ser um mercado de futuro.
É estranho que hoje tenha uma posição exactamente de abandono e de voltar as costas para essa possibilidade. Não me parece, sendo um português que vive na Ásia, que seja uma boa política.
Mas, obviamente, que outros argumentos poderão existir”, explica. Numa tentativa de colmatar esta situação a TAP procura a criação de acordos de cooperação com a Air China para retomar a ligação aérea, ao mesmo tempo que procura, a todo o custo, vender a sua participação na Air Macau.
Uma decisão apontada de contraditória que, até à sua resolução, em nada contribuiu para o desenvolvimento da ligação a Macau e ao oriente.
Ainda assim, Sales Marques apela ao investimento português no território, apresentando como solução preferencial a instalação de empresas na região, antes mesmo da aposta na China em si ou no Japão: “Por vezes, em Portugal, as pessoas olham para a China de uma forma um pouco idónea, no sentido, fundamentalmente, dos interesses económicos empresariais e olham para a China colocando o seu interesse e procurando entrar naqueles mercados que estão mais desenvolvidos, como as grandes cidades e as grandes metrópoles.
Se calhar, no âmbito da tecnologia em Portugal, seria mais útil para a China e para os empresários portugueses uma aproximação com aquelas regiões da China que não estão tão abertas a todo o tipo de competição e concorrência das grandes empresas que estão colocadas a operar na China. Estas regiões têm grandes necessidades de desenvolvimento e, provavelmente, por causa disso, apresentariam melhores oportunidades para as empresas portuguesas que, todos sabemos, apresentam limites a nível de dimensão e que podem não ter dimensão suficiente para competirem com aquelas grandes multinacionais.
Com esta aposta teriam mais capacidades para operar, para competir e para concorrer, digamos, a um nível de desenvolvimento que é aquele que as regiões do Leste da China precisam assim como as regiões que estão no Sudoeste”.
Esta ideia foi também defendida já em 2005 por Teresa Moreira, antiga directora-geral das Relações Económicas Internacionais do Ministério da Economia, à margem de uma Conferência Internacional sobre o posicionamento de Portugal no Mundo, em que considerou que desde 1999 as relações bilaterais que se foram sendo desenvolvidas, se centrarem essencialmente na China, descurando a importância e valor estratégico de Macau: “Todavia, no período pós-99, mantiveram-se os contactos bilaterais no plano económico e noutras áreas, curiosamente centrados na China.”
Quatro anos volvidos desde esta conferência, a realidade pouco mudou, e o investimento nacional na região do sul da ásia continua a centrar-se em grandes meios urbanos, mais desenvolvidos, mas também mais permeáveis à concorrência internacional – numa lógica de mercado concorrencial ao qual Portugal poderá não ser capaz de fazer face.
De um modo geral, o nosso país deteve, em tempos idos, uma das maiores influências mundiais na região da Ásia, ainda que nos tempos que correm seja incapaz de valorizar essa ligação histórica e de fazer uso da mesma para potenciar o seu crescimento económico, deixando a sensação de que muito está ainda por fazer, mas também que ainda não é tarde de mais para o fazer.
Este texto foi publicado na edição nº0 da revista Raia Diplomática, no dia 28.11.2009