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sexta-feira, fevereiro 18, 2011

EUROPA E A POLÍTICA EXTERNA

A instituição da Política Externa e de Segurança Comum, pelo Tratado de Maastricht, como um dos domínios fundamentais da União Europeia (UE) significou um grande passo no projecto europeu ao atribuir-lhe uma dimensão além da económica – a política. Contudo, actualmente, algumas das maiores críticas feitas à UE devem-se à fragilidade do seu papel como actor na cena mundial, consequência da falta de uma efectiva capacidade militar.

Em entrevista à Raia Diplomática, Paulo Sande, chefe do Gabinete do Parlamento Europeu em Portugal, afirma que será difícil os 27 Estados-membros terem uma voz uníssona enquanto cada país não estiver disposto a abdicar dos seus interesses estratégicos em favor dos da União. Por outro lado, acrescenta Sande, o poder da diplomacia em questões como o combate ao terrorismo ou manutenção da paz e a disseminação dos Direitos Humanos é assumido por todos como uma prioridade do projecto europeu.

A UE é hoje o maior bloco económico do mundo, no entanto esta posição não se coaduna com a manifesta incapacidade de os 27 Estados-Membros influenciarem, conjuntamente, as relações internacionais. Quando é que haverá uma Política Externa Comum?

Haverá uma Política Externa Comum no dia em que todos os Estados-membros da UE abdicarem da sua própria Política Externa, que é uma área de reserva de soberania, e decidirem que querem ter uma voz unívoca. Em termos de Política Externa, a Europa tem desenvolvido um soft power, que é a capacidade de impor normas, padrões e comportamentos. E isto tem funcionado.
Actualmente, não existe uma vontade política de a UE se apresentar enquanto actor nas questões de segurança e defesa, mas há vontade de ser um actor em matérias relacionadas com os Direitos Humanos, procurando impedir, prevenir e gerir conflitos de natureza humanitária.

Provavelmente, o mais difícil será intervir nas questões da guerra e da paz. Acha que a defesa dos Direitos Humanos acaba por ser um terreno mais facilitado?

Eu talvez separasse bem as duas coisas. Uma coisa é a diplomacia, a Europa ser interventiva em questões de Direitos Humanos, outra as questões relacionadas com guerra e a paz, a Europa ter músculo militar na área da segurança e defesa que lhe permita sustentar as suas posições. E acrescento: a Europa não quer tomar uma posição quando se trata de Política Externa.

A Europa não quer porque não consegue ou nunca vai querer?

Não quer porque a Política Externa é o domínio talvez mais importante da soberania dos Estados. No fundo, é ir tão longe quanto possível em termos colectivos mas sem pôr em causa as soberanias. O Iraque é um exemplo paradigmático. Quando há interesses superiores, de estratégia nacional, o ir tão longe quanto possível é não ir muito longe porque os países ainda querem ter a última palavra.
A mesma situação está a acontecer no Kosovo.
E vai continuar a acontecer. Se é para sempre não sabemos. Mas é importante dizer que está a crescer de uma forma segura o modelo de intervenção da UE em matéria de defesa e de segurança e, por vezes, este crescimento é desprezado. A Europa tem, desde 2001, uma dimensão insuspeitada na defesa e nos últimos oito anos já teve 23 acções armadas, a última na Somália contra a pirataria. Com todas as críticas e todo o cepticismo, a verdade é que a Europa continua a progredir sendo que, na minha perspectiva, esse progresso deve ser feito onde ela é útil.

Em relação aos Estados Unidos, a Europa está a perder influência para países emergentes que apresentam uma maior rapidez de resposta quando se trata de tomar uma posição em conflitos internacionais?

Sabendo todos os defeitos que a Europa tem e a dimensão que os países emergentes estão a ganhar, também sabemos que o maior mercado do mundo continua a ser o Europeu e que a Europa e os Estados Unidos são uma realidade unívoca do ponto de vista do conceito em relação a muitos valores. Quando a Europa faz intervenções concretas na cena internacional, como no Líbano, no Congo ou na Bósnia, fá-lo na perspectiva dos seus valores. E quem mais faz isso no mundo? Muito poucos países para além dos Estados Unidos e da Europa. Por exemplo, para entrarem em certas regiões do mundo, sem ser da maneira como entraram no Iraque, os Estados Unidos terão sempre de passar pela Europa, quer porque tem mais sensibilidade para essas realidades quer pela relação histórica com alguns países. Aí, a Europa é um aliado.

 
A administração de Barack Obama vem facilitar essa relação?

Esta administração parece ser claramente um factor facilitador e de encorajamento aos líderes europeus. Ainda que, por vezes, a Europa padeça do problema de não ter uma Política Externa, muitas vezes não é capaz de ter uma resposta eficaz e unívoca às preocupações dos americanos.
A Europa não responde porque não tem capacidade para responder. E não tem capacidade para responder porque não tem os instrumentos, as estruturas e os processos que o permitam. Para ter todos estes instrumentos é preciso criá-los, mas para os criar é preciso ter vontade e isso não há.
Nós não nos podemos esquecer que o orçamento da UE apresenta um valor máximo de 1,27 por cento do Produto Interno Bruto (PIB) dos 27 Estados-Membros e, desse valor, o orçamento aprovado anualmente pouco ultrapassa o valor de 1 por cento. Isto quer dizer que para todas as políticas, incluindo fundos estruturais, agricultura, defesa, etc., os 27 gastam menos de 1 por cento do PIB dos Estados-Membros da UE e com um valor desses é impossível que a Europa possa ter uma efectiva capacidade militar. Se o queremos fazer temos de criar, por exemplo, um orçamento de 10 por cento do PIB e dedicar metade à defesa.

Entrevista de Paulo Sande, Director do Gabinete do Parlamento Europeu em Portugal, publicada na edição nº0 da revista Raia Diplomática, no dia 28.11.2009

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