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terça-feira, agosto 09, 2005

O Rumo da Europa


A escolha da actual comissão europeia tinha como pano de fundo o antagonismo entre a esquerda e a direita – o partido socialista e o partido popular europeu. Após várias tentativas frustradas para escolher o líder da comissão, chegou-se a um certo momento em que essa luta encontrava-se confinada a dois portugueses – António Vitorino, o então muito prestigiado comissário europeu, e no outro lado da barricada, Durão Barroso, o então primeiro ministro português.
Após conturbadas cenas no Parlamento europeu para tentar aprovar a comissão europeia de Durão Barroso, que tinha abandonado o cargo de governante de Portugal, posição essa que foi outorgada pelo povo português, passando assim a “perna”, a António Vitorino, em virtude do enfraquecimento dos socialistas europeus nas ultimas eleições para o Parlamento Europeu.
Se ao tempo os dois homens podiam ter perspectivas diferentes quanto à orientação da União europeia, pelo menos, no campo da ideologia política, hoje, pouco tempo depois do “terramoto” político francês, Durão Barroso, ou melhor, José Manuel Barroso, para os amigos europeus, e António Vitorino parecem estar a convergir. Ambos dão a sensação de serem duas múmias paralíticas no concerne à resolução da morte prematura do tratado constitucional europeu.
Para estes dois senhores, uma pausa na ratificação no tratado constitucional será a melhor forma para contornar o imbróglio desta situação.
Assim, quem fala de pausa, também pode aferir-se ao termo de congelamento, mas paralisar este instrumento político e de gestão da União europeia será por quanto tempo? E qual será a sua utilidade?
Para responder a estas perguntas de retórica simples, era preciso que estivéssemos a viver num contexto que não é o actual, isto é, numa fantasia, num sonho de eurocratas.
Acordem!!!
Não é preciso repetidamente frisar que este tratado já não existe, e quem utilizar um discurso fútil e infértil da sua realidade, lançando grandes quantidades de areia ilusória, só está a contribuir para o afunilamento da caracterização do sentimento de ser europeu. Pois para combater esse declínio sentimental como a comissão europeia já reconhece, deverá no mais curto espaço de tempo procurar as razões dessa descrença e implementar políticas e acções que contrariem tal situação.
Porém, o tempo a que me estou a referir começa a contar a partir de… agora. Não há tempo para pausas, porque a vida quotidiana dos cidadãos europeus constrói-se dia-a-dia, seja a nível laboral, cultural, económico e social, e em especial, o político que agora estamos a tratar.
Portanto, não há tempo para pausas ou para coisas afins.
Muitas vezes a “opinion makers” está tão segmentada e uniformizada que se afastam da realidade.
Os extremismos invocados na defesa e na oposição deste tema em concreto, é reveladora de um certo cinismo quanto à sua verdade, à sua verdade sofismável.
Doravante, todo este processo que se desenvolveu desde a necessidade de projectar um tratado no qual estaria inserido um texto constitucional complementar às constituições nacionais de modo a corresponder às exigências do alargamento a leste e a todas as consequências provenientes dessa situação, passando pelos trabalhos da convenção para o futuro da Europa, que pela primeira vez abriu a discussão desse ante-projecto às várias susceptibilidades das instituições europeias e dos parlamentos nacionais, todavia, não teve a ousadia de ouvir mais profundamente as inquietações dos povos europeus até à sua aprovação no Conselho Europeu de Roma, realizado no dia 29 de Outubro de 2004, jamais o poderão dizimá-lo à pura inexistência e votá-lo às trevas do esquecimento. Foi muito relevante todo o trabalho dessa convenção, e é insensato deixar tanto esforço para o lixo.
Por outro lado, a dimensão do texto constitucional deixa enormes reparos a fazer. Porque, se pretende unir os povos da Europa, a certos e precisos valores culturais e universais, sendo esse o elo de ligação à União, um acto constitucional mui sui generis. E se alguns Estados-membros adoptaram o método referendário para ratificar e legitimar o tratado nos seus respectivos países, e se é efectivamente para o povo a que se dirige este conjunto de normas, dividida em quatro partes, sendo a segunda há muito conhecida, pois é a Carta dos Direitos Fundamentais da União, os mais de quatrocentos artigos são claramente desadequados para a génese do constitucionalismo europeu unificado.
As instituições europeias e os governos nacionais não devem camuflar a realidade social dos europeus, no que diz respeito ao conhecimento que têm sobre a União em que estão inseridos e do seu funcionamento, sabendo discernir quais são os seus direitos e deveres.
O critério a utilizar por essas entidades não pode continuar a ser do “arremessar” informação sem controlo, ou seja, cada Estado-membro, cada região, cada localidade tem a sua própria especificidade, e portanto, possui diferentes níveis de integração europeia, o que implica uma distinta aplicação das acções de adesão social à causa europeia.
Porventura, a elaboração deste texto tinha em consideração os cidadãos europeus. E se partirmos do princípio que este era a origem de uma nova e importante etapa de consolidação do espírito europeu, o seu conteúdo teria que forçosamente que ser muito mais simplificado e conciso.
É bem verdade que o cerne da reprovação do tratado constitucional implicou antes de mais, questões nacionais, e é precisamente esse dilema que o futuro tratado deve fazer enfoque, isto é, promover a cidadania europeia, clarificando de vez que é um complemento e não uma substituição da cidadania nacional.
Aquando da adesão dos dez novos Estados-membros, sobretudo nos meios de comunicação social muito se escreveu que era mais um sucesso da União. Ora, o tempo veio a demonstrar que tal não era totalmente verídico, e o último Conselho Europeu, foi a prova viva disso. A crise económica a que estamos a atravessar, a dimensão populacional que os novos Estados-membros vieram dar à União, e o seu atraso social, na sua generalidade, à posterior ficou bem manifestado do absurdo que foi o derradeiro ampliamento da União, sobretudo numa época de “vacas magras”.
A diversão como está a ser tratada a adesão da Turquia, é bem demonstrativo da dicotomia entre eurocratas e da maioria dos partidos políticos, e por outro lado, a população europeia em geral, e bem revelador dessa distância entre eleitores e eleitos. E perante o “cartão vermelho” dado nos referendos francês e holandês, essa temática estava bem vincada nas inquietações desses dois povos, e ao que parece pelo menos nas palavras do presidente da Comissão europeia, os sinais populares de rejeição indirecta dos turcos à União, é puramente ignorada por esta entidade comunitária, e assim mais se acentua a separação que a eurocracia prepotente e os comuns cidadãos da Europa.
Esta importante questão, que é a possível adesão de um país asiático, que vai contra a identidade europeia é bem reveladora da desorientação das instituições comunitárias ao desviarem-se de um dos mais sérios problemas internos e geopolítico bem centrado no coração da Europa – o dilema balcânico.
Este é um exemplo concreto da falta estratégia da União em projectar, preparar e inovar o futuro dos europeus, isto é, está a baralhar as prioridades, pois em primeiro lugar deveria preocupar-se com a orientação da resolução dos problemas dos cidadãos europeus, fortalecendo assim a comunidade, fomentando o espírito europeu nos seus cidadãos, em vez de canalizar uma boa parte da sua energia, numa questão acessória, duvidosa e que está a dividir os europeus, numa altura pouco aconselhável para o levantamento deste tipo de agitação.

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