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quinta-feira, novembro 04, 2010

O ROCK DOS TEMPOS MODERNOS

Há pouco mais de um ano, começou por aparecer no meio das novas redes sociais. Popularizou-se num blogue e numa emissão online. Onze anos depois do encerramento, a rádio SuperFM está de volta. Rui Santos, o director, confessa que realizou um sonho. Em conversa nos estúdios, explica-nos como conseguiu que as pessoas voltassem a ouvir rádio. Saiba como fazer renascer um projecto das cinzas pode ser mais simples do que parece.

Porquê relançar a SuperFM às 21h09?
Há 11 anos atrás, a SuperFM deixou de emitir dia 30 de Junho, às 21h05. Não conseguimos ter licença para reabrir a rádio nesse dia, então jogamos um pouco com as datas. A lógica passou por adiantar cinco minutos e fazer o relançamento às 21h09, no dia 21 de Setembro de 2009. Este foi também o Dia Internacional da Paz e usamos isso como teasing durante um mês e meio.

 
Trata-se de um regresso ao passado?
Um pouco. Durante a primeira fase da SuperFM em 1991 [até 1994] - aquela que marcou mais e que ficou mais conhecida – havia uma equipa e dinheiro. Tinha tudo e, por isso, as pessoas não perceberam porque acabou. Isso aconteceu porque toda a equipa não estava de acordo com um dos sócios, já que nos queria levar para um lado que não fazia parte da maneira de ser da rádio. E pretendia afastar uma pessoa do projecto. Mas a nossa equipa não deixa ninguém para trás. O lema é: ‘Se fazes parte dos nossos, estamos contigo até a morte’. E foi o que aconteceu. Preferiu-se matar a SuperFM do que desvirtuar o projecto ou perder um dos elementos. Foi uma decisão tomada em dois minutos.

Como se proporcionou o regresso?
Ao longo deste tempo, a equipa de rádio, direcção e locutores nunca se afastaram. Mantivemos sempre o contacto. Encontramo-nos em funerais, casamentos, baptizados. Somos amigos todos uns dos outros. E tivemos sempre a ideia de fazer renascer a rádio. Alguns deles desacreditaram e seguiram a sua vida. Eu não. Fui o mais infame. Durante 11 anos perpetuei a memória, a música, o site e dediquei-me à minha profissão que é fazer rádio para empresas. Há cerca de um ano lançamos a rádio online, e este foi o primeiro passo, depois de termos feito uma festa na praia com bandas conhecidas para comemorar os 10 anos de encerramento. Desta essa altura que a ideia do relançamento ficou mais clara. Foi um caminho muito natural.

Neste ano de preparação, sentiu algumas dificuldades ao longo do percurso?
Tudo é obstáculo, quando não se faz parte de um grupo económico e se tenta contornar isso. Estar onze anos à espera para fazer um projecto torna tudo ainda mais complicado. Depois há tanta rádio por aí – desculpe o termo – que não presta e que ninguém faz nada por aquilo. Há tanta gente que quer adoptar rádios e fazer projectos válidos, mas não têm hipóteses. Ter uma frequência de rádio é pior do que encontrar um pote de ouro no final de um arco-íris. No nosso caso, tivemos a sorte de ter uma empresa por trás que produz conteúdos da rádio a quem pedimos ajuda. Mas há sempre obstáculos de todas as formas e feitios. Dinheiro, pessoas, projectos ou licenças. Isso nunca vai deixar de existir.

O projecto está a correr como o previsto?
No primeiro dia de emissão nunca pensamos que íamos fazer a SuperFM que queríamos. Estamos no ar há um mês e meio, de maneira que ainda é preciso amadurecer. Começamos a dizer ao público que o nosso prime-time é das 20h às 22h, com a ‘Super-Eleição’ [apresentado pelo Rui Santos], onde os ouvintes escolhem a música que querem ouvir. Este programa é a montra da rádio. Lançamos um número de telefone e, no início, recebíamos apenas uma votação por dia. Estava a escapar-nos qualquer coisa. Na terceira semana, deixamos de usar o telefone e pedimos para que enviassem um e-mail. Aumentamos para quatro votações por dia. E aí percebemos que os ouvintes estavam escondidos. Ao fim de três semanas e meia, ligo o Facebook durante a emissão e escrevo ‘Bem-vindos à Super Eleição. Deixem os vossos comentários’. E de repente, numa hora, surgiram 149 comentários. Os ouvintes estavam ali ao lado, mas já não fazem telefonemas porque não têm telemóvel, não têm saldo, não o carregam ou não falam por telefone fixos. Cresceram e ficaram com vergonha. Não mandam e-mails, mas usam o Facebook. Agora, todas as noites, temos cento e tantos ouvintes a entrar em contacto connosco. Actualmente, temos cerca de 1200 fãs. O que corresponde a quatro vezes mais do que as outras rádios de nome que já cá estão há mais tempo. Sabemos ainda os fãs não têm menos de 18 anos (de 18 a 24 é apenas um por cento), sendo que 80 por cento dos ouvintes tem entre os 24 aos 44 anos. O público de agora é o mesmo que nos seguia há 11 anos. É um target muito específico: pessoas com cerca de 30 anos, licenciadas e com efeito saudosista. Sabemos exactamente para quem estamos a falar.

Estão a reconquistar o público que vos ouvia há 11 anos. Receiam não serem seguidos pelos mais jovens? No fundo, são a rádio de uma geração?
Naquela altura, a SuperFM tinha cerca de três por cento de share. Hoje, esses 180 mil ouvintes, punha-nos, pelo menos, a par com a TSF, em Lisboa. A primeira coisa que queremos é ir buscar quem nos ouvia. Mas sem desprimor para os novos, porque esses vão sendo aos poucos infectados pelo vírus. Mas não somos uma rádio jovem, somos a rádio dos jovens de há dez anos. Não queremos ir buscar a ‘geração Morangos com Açúcar’. Tenho filhas que gostam da rádio por associação do pai, só que depois vêem a Disney, a Hannah Montana e os Jonas Brothers. Aqui, não passamos essas músicas, porque a nossa geração não está à espera disso. Está é à espera de músicas que hoje já não se ouvem nas rádios. E depois há outras rádios que passam Jonas e estão direccionadas para outra geração.

O objectivo é repescar quem passou a ouvir rádios substitutas?
Ninguém passou a ouvir essas rádios. Alguns ouviam-nas apenas por associação e não porque se reviam nelas. Identificámos a existência dessa lacuna no mercado, pois entretanto não foi criada nenhuma rádio parecida com a SuperFM. Há 10 anos, existiam músicas que até a minha mãe rezava se ouvisse aquilo. Hoje, essas músicas tornaram-se mainstream. Não parecem tão fortes como naquele tempo. A SuperFM não é uma rádio de música pesada, mas passa rock nas suas diferentes variantes. Através das mensagens que nos deixam nas redes sociais, as pessoas confessam que já não ligavam a rádio em casa há anos, mas que agora voltaram a fazê-lo. É um bom sinal saber que estamos a provocar este fenómeno.

Como explica essa falta de ligação entre as rádios e os ouvintes?
Devido ao facto de as rádios estarem formatadas. Seguem-se pelos estudos que dizem que os ouvintes são todos iguais. Comem e bebem as mesmas coisas. Penteiam-se da mesma maneira só porque são jovens, com cerca de 35 anos, licenciados, de classe B, nascidos em Lisboa. Isso é mentira. Estas pessoas tanto podem gostar de metal ou de pop, tanto podem ser louros como morenos, gays como heteros. Não podem ser todos postos na mesma redoma. Queremos demonstrar com instinto e feeling que isso não é bem assim. Por exemplo, os U2 têm cerca de 50 músicas. Porque as rádios só passam três? As pessoas que fizeram esta romaria aos bilhetes dos U2 [actuam em Portugal em Outubro de 2010] querem ouvir as 50 e estão fartas da ‘Beautiful Day’.

As novas tecnologias também ditaram esse afastamento?
De certa maneira. A rádio perdeu 400 mil ouvintes em dois anos. Mais de 30 por cento, por causa do CD. A rádio está fora de moda. As pessoas fizeram as suas próprias playlists e compilaram-nas. Começaram a perder referências porque as rádios parecem todas estupidamente alegres. Só a ouvem no carro e é porque está ali à mão. Ouvem as notícias e depois desligam. O que elas querem é serem tratadas como seres humanos e como pessoas que fazem escolhas. Portanto, se alguém se enganar na rádio até é bom, porque os ouvintes vão identificar-se com isso. Por isso resolvemos também fazer a nossa playlist, não temos temas pré-definidos. É mais vasta e desalinhada, enquanto outras podem ser muito reduzidas. Algumas das músicas que a compõe têm origem das músicas pedidas durante a ‘Super Eleição’. Uma espécie de discos pedidos. Não teria lógica se nos fechássemos e manietássemos

Este projecto começou por ser a Rádio 98 (no Montijo, 106.2, de 91 a 94), depois SuperFM (no Barreiro, 96.2, de 95 a 98) e no último ano muda de frequência para 95.3. Com tanta instabilidade, acredita que o novo projecto conseguirá viver mais tempo?
Não sei. Não sei se amanhã me acontece alguma coisa. A equipa vai tentar que dure mais do que os três anos. Está empenhada nisso. Agora não posso dizer que isto vai ser muito bom, que vamos ser nacionais e que vamos conseguir ter milhões de euros. A rádio é a frequência local de Alcochete, uma terra com 16 mil habitantes. Por agora, não podemos ir para onde queremos porque a nossa frequência tem apenas um quilo de potência. A RFM, em Lisboa, tem 50 quilos. Durante estes 11 anos, se não mantivesse na minha cabeça a ideia de que era possível chegar aqui, nunca saberia que este ano, às 21h09, estava a cumprir o sonho. Se tivermos audiência e se os patrocinadores começarem a injectar dinheiro na rádio, os 80 mil euros de investimento e mais o resto que custa todos os meses vão ser diluídos em breve e haveremos de ter sucesso. Mas isto é futurologia.

Se o projecto tiver de terminar, haverá de novo uma manifestação de ouvintes à porta dos estúdios contra o fecho da rádio, como aconteceu há 11 anos?
Hoje ainda não. Se fosse por causa de ser um mau projecto, ninguém cá vinha. No entanto, se houvesse alguma coisa que nos impedisse de continuar ou se alguém nos quisesse fazer mal, garanto que estariam aqui bandas e pessoas. Disso não tenho dúvidas.

A música nacional vai continuar a ser uma das grandes apostas?
Essa é a nossa grande bandeira porque continuamos a defender o que é nosso e a ajudar as bandas portuguesas a singraram. Esse é o papel das rádios. Se as outras não o fazem, têm de o fazer. E isto funciona também no sentido inverso. A banda inglesa Silence Film esteve cá, mas não tinha guitarras. Telefonei aos Alcoolémia, emprestaram-nas, e isso permitiu com que o grupo actuasse aqui.

Diz que “há vida na rádio para além da antena”. Porque vinculam a imagem de uma rádio de rua e não de uma rádio de estúdio?
A questão é mesma essa. Já não há rádios na rua, as pessoas já não as conhecem. Queremos criar ideias e sair daqui, através de happenings, live-acts, promoção de concertos. Pretendemos ganhar estatuto porque fizemos algo diferente. Temos ideias parvas, loucas e outras brilhantes. Mas é preciso fazer tudo com os pés assentes na terra. Sempre.
 
Pode contar-nos?
Silêncio. O segredo é a alma do negócio.

Joana Tavares
(Esta entrevista foi realizada em meados do mês Novembro do ano passado, pouco tempo depois do inicio das emissões da Super FM)

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