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segunda-feira, outubro 25, 2010

TRANSFORMAR GRÃOS DE CAFÉ NUM POTE DE OURO



Juntar cerca de 1300 atletas e oficiais oriundos de quatro continentes em Portugal para nove dias de competição desportiva com apenas um orçamento de três milhões de euros não é um processo fácil, antes um passo de ginástica. Ainda para mais quando esse valor corresponde ao que Macau gastou só em serviço de catering, durante a primeira edição dos Jogos da Lusofonia (JL) em 2006. É certo que o cenário económico mundial é outro, é certo que a Ásia é diferente da Europa e é certo que somos mestres em transformar grãos de café num pote de ouro. E quando o dinheiro disponível para o marketing é reduzido em 90 por cento, corta-se logo na promoção. Primeiro é preciso assegurar o alojamento, as refeições, as medalhas, o espectáculo. Mesmo que ninguém saiba o que os Jogos são, nem para o que servem. Ainda menos fora da capital (excepto quanto o assunto envolve uma pandemia chamada gripe A).

O mote é nobre. Mas poucos o percebem. Celebrar a língua portuguesa chega a ser evasivo. Poucos sabem o que é ser lusófono e quem são os lusófonos. E isso nota-se mesmo entre os atletas participantes: os macaenses falam chinês, os indianos versam em inglês, os guine-equatorienses conversam em francês. Podiam ser poliglotas, mas a realidade é que já restam ínfimos atletas participantes falantes da língua de Camões, excepto os evidentes brasileiros ou angolanos. Portugal deixou rasto no mundo durante os Descobrimentos, mas já lá vão mais de cinco séculos. E não há quem sobreviva a tanto tempo, nem mesmo a língua.

Os dialectos ficam para o público. Bancadas vazias decoraram alguns dos encontros disputados, com algumas pontas de euforia quando Cabo Verde se juntou a Moçambique no Estádio do Jamor, para o primeiro arrecadar a medalha de ouro, em futebol. O campeão olímpico Nelson Évora transportou a tocha e foi feliz. Saltou duas vezes, fez saltos nulos, correu de ténis e, mesmo assim, subiu ao pódio no primeiro lugar. Mas dizer que as diferenças físicas entre os concorrentes são abissais e inultrapassáveis pode parecer ofensivo. Enquanto os JL não forem tidos como uma prova de alta competição, as bancadas vão continuar vazias. É que o público está pouco interessado em ver corridas de demonstração ou lutas de judo ou taekwondo entre dois atletas com triunfos garantidos, até antes de pisar o colchão. Vender bilhetes a preços simbólicos até prestigia a prova, mas desvaloriza a carteira do português. Em época de férias, sabe melhor estender-se num areal ou gastar o subsídio em festivais de verão, com protagonistas a sério.

E o medalheiro mostra bem o desequilibro. Deixou o Brasil e Portugal em estado de graça, porque foram, de facto, os mais fortes. Seguiram-se os países mais ricos com Macau e Índia a lucrarem, ainda que só com uma conquista de ouro cada um. No resto da tabela figuraram os mais pobres e mais fracos – Guiné-Bissau, Guiné-Equatorial e Timor-Leste regressaram a casa sem nunca terem ouvido o hino. Impossível é acabar com este fenómeno de que dinheiro traz vitórias.

E a Índia sabe isso de cor. Preparada para organizar a edição de 2013 em Goa apresentou a candidatura como se de um acto presidencial se tratasse. E talvez tenha feito bem. Trouxe para Lisboa fatos fabricados especialmente para o evento, pretos com inscrições a dourado, vestidos com uma elegância de quem veio para conquistar os próximos anos em termos desportivos. Foi um golpe de génio – aproveitar uma prova de competição para apetrechar o país de infra-estruturas. Pena que aqui não tenha acontecido o mesmo. Os Jogos Olímpicos permanecem muito longe do horizonte e Portugal continua modesto, mas grande.

Joana Tavares
(Este artigo foi escrito a quando da realização dos jogos da Lusofonia)

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