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quarta-feira, fevereiro 16, 2011

"O NOSSO OBJECTIVO Nº1 É A INTEGRAÇÃO NA UNIÃO EUROPEIA"



Numa altura em que Radovan Karadic está a ser julgado pelo Tribunal Internacional de Justiça em Haia, o seu país enfrenta vários desafios. Com uma economia em franco crescimento entre os países da região dos Balcãs e com uma maior estabilização política, a ambicionada candidatura para integração na União Europeia, que é aliás o grande objectivo da diplomacia da Sérvia, tem sido dificultado pela fuga à justiça do General Ratko Mladic. A questão do Kosovo entra para o próximo ano, numa nova etapa com a decisão do Tribunal Internacional de Justiça das Nações Unidas no que diz respeito à declaração unilateral de independência feita pelos albaneses do Kosovo.Na grande Entrevista dada à Raia Diplomática, Dusko Lopandic, Embaixador da Sérvia em Portugal há cerca de dois anos, responde às grandes questões que afectam a diplomacia sérvia, bem como questões relacionadas com os laços existentes entre a Sérvia e Portugal, os quais foram ultimamente dinamizados com a criação de um curso de Língua e Cultura Sérvia, no passado ano de 2008.

 
O Tribunal Internacional de Justiça das Nações Unidas, vai pronunciar-se em inícios de 2010, sobre a declaração unilateral de independência do Kosovo. O que é que a Sérvia espera desta decisão?

Este problema tem uma longa história. Eu só queria relembrar que a Sérvia esteve envolvida em negociações com a comunidade internacional em 2005/2006 e no fim destas negociações houve a declaração de independência por Pristina. Sendo que, no nosso ponto de vista as negociações ainda não acabaram e esta decisão é ilegal, quer pelo ponto de vista interno mas também pelo ponto de vista das Nações Unidas, porque o Kosovo ainda está a sob domínio da resolução do conselho de segurança das Nações Unidas e não há nenhuma decisão do conselho geral das Nações Unidas para mudar a sua anterior resolução, na qual o Kosovo faz parte da jurisdição internacional. Então, o que nós fizemos de seguida, foi dirigir a nossa palavra à Assembleia Geral das Nações Unidas porque obviamente o Conselho de Segurança não podia tomar nenhuma decisão e a Assembleia Geral de todos os países das Nações Unidas votaram em larga maioria esta questão para o Tribunal Internacional de Justiça, se esta decisão da autoridade de Pristina foi legal ou não, é agora este o debate. Houve uma minoria de países que reconheceram Kosovo, a maioria dos membros das Nações Unidas não reconheceu e alguns países estão a participar no debate no Tribunal Internacional de Justiça. Obviamente, nós somos da opinião que a lei internacional está do nosso lado e que a opinião que será proferida no ano que vem, dará razão à Sérvia. Eu gostaria também de salientar que esta é a primeira vez que um assunto tão complexo, tem sido tratado pacificamente e sem quaisquer reacções violentas. Nós estamos a tentar procurar uma solução legal e não outro tipo de solução.

 
Neste processo de separação unilateral do Kosovo, a Sérvia consultou vários juristas de renome mundial. Tendo por base o direito internacional, o que defenderam os peritos?

Provavelmente existem tantas posições quanto a existência de especialistas. Esta questão de separação não é algo assim tão simples, mas eu penso que pelo ponto de vista da maioria dos juristas, estas questões não podem ser tomadas unilateralmente, sendo que por isso a maioria dos estados tem tomado reservas em relação à independência do Kosovo. Este é um dos pontos principais que nós estamos a dar mais ênfase, se existe um processo de separação e de auto-determinação, qualquer medida concreta deverá ser tida em conta antes de tais negociações tomarem lugar. Nós pensamos que não seja suficiente, que uma parte do território, na qual uma minoria está em maioria decida separar-se do país e assim formar um novo país. Tendo em conta toda a Sérvia, o território do Kosovo constitui menos de 20% da Sérvia. Existem muitos países que também têm 20% ou 30% de minorias, se nós aceitarmos esta ideia que toda a parte de um território com minorias pode declarar independência, então iremos acabar em completo caos. É por esta razão que eu penso que a opinião do Tribunal, assim como a maioria das opiniões legais estarão do nosso lado.

 
Muitos países reconheceram a independência do Kosovo. Depois desta tomada de posição, as relações diplomáticas entre a Sérvia e estes países alteraram-se?

Nós temos perfeita noção que existem países que reconheceram a independência do Kosovo e outros não, obviamente que nós também vemos os países sob este ponto de vista. Mas nós também temos em consideração muitos outros elementos, como por exemplo, não é a mesma coisa se os nossos vizinhos dos Balcãs fizerem alguma coisa, ou se são alguns países afastados a fazê-lo.

 
Portugal foi o único país que reconheceu a independência do Kosovo de que o governo sérvio não retirou o seu embaixador como protesto. Porque razão há esta relação especial com Portugal?

É claro que nós tomámos nota da posição de Portugal, a qual reconhece a independência do Kosovo. Portugal fê-lo por causa da sua aliança com os outros, eu não vi grande entusiasmo da parte de Portugal para reconhecer o Kosovo. No meu entender, esta medida foi tomada devido a pressões externas e a maioria dos países que reconheceram o Kosovo, fizeram-no por causa de pressões externas, feitas principalmente pelo Estados Unidos e alguns outros grandes países europeus. Pelo que, nós não cortámos relações diplomáticas com Portugal, nas nossas relações bilaterais, nós tentamos isolar esta questão das outras questões. Em cada caso existe uma situação diferente, por exemplo, no momento em que Portugal tomou uma decisão, foi antes do debate na Assembleia Geral relacionado com a opinião legal do Tribunal Internacional. Sentimos que é muito mais negativo para nós, o reconhecimento do Kosovo depois desta decisão porque todos devem esperar pela decisão do Tribunal. Portugal fê-lo, eu diria, num momento em que para nós não foi tão problemático, se bem que, obviamente, o reconhecimento de independência do Kosovo é um problema para nós, não é algo que vai desaparecer. Isto é um dos principais assuntos das nossas relações externas, sendo que nos encontramos em discussões com todos os países do mundo.

 
Coloca-se a possibilidade da Sérvia reintegrar o Kosovo no seu território?

O que nós dizemos agora, é que vamos continuar a esperar pela opinião do Tribunal Internacional de Justiça e nós iremos obviamente, propor a continuação das negociações assim que tenhamos uma opinião legal. Para nós, as negociações não foram finalizadas. Em 2007 o Kosovo declarou independência, isto é para nós uma espécie de interrupção nas negociações e ainda estamos à espera que estas sejam retomadas, como será o resultado no final, é algo que será ditado pelas negociações, mas acreditamos verdadeiramente, que alguma espécie de solução bilateral e não unilateral será encontrada.

 
Dado que 22 dos 27 estados-membros da União Europeia Já reconheceram a independência do Kosovo, a posição da Europa perante a independência do Kosovo pode ser um obstáculo às negociações para a adesão da Sérvia à UE?

Até agora, não existe nenhuma posição que diga que o Kosovo possa ser alguma espécie de limitação para a Sérvia. Nós assinámos recentemente o acordo de Associação e Estabilização com a União Europeia. Estamos a ter problemas com um país, a Holanda, que não aceitou a nossa candidatura, pedindo que a Sérvia cooperasse na íntegra na captura do general Ratko Mladic, mas infelizmente a nossa polícia não foi capaz de encontrá-lo nos últimos dois anos, nós estamos a tentar. Eu penso que a Sérvia não deveria ser prejudicada neste processo de alargamento da União Europeia por causa disto. O actual relatório da Comissão sobre o progresso de prováveis membros dos Balcãs para integração na União Europeia resultou numa posição bastante positiva no que concerne à Sérvia. Um dos elementos positivos que acontecerá muito em breve será a liberalização dos vistos, o que quer dizer que os cidadãos Sérvios não estarão obrigados a partir do próximo ano a requerer vistos. Os procedimentos relativos aos vistos são muito difíceis e complicados, limitam o movimento de pessoas. Em termos políticos também será um bom sinal para nós, ou seja, quer dizer que podemos progredir no processo de integração na União Europeia.

 
E se a União Europeia colocasse a condição da independência do Kosovo como imperativo para entrada da Sérvia na UE. Qual seria a posição da Sérvia?

Isto é algo que tem sido respondido quer pelo nosso Presidente, quer pelo nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros, ou seja, nós nunca iremos em nenhuma circunstância reconhecer o Kosovo como país independente, para além de que, o nosso Ministro já disse que se tal hipotética condição fosse posta à Sérvia, então, nós não iremos solicitar a nossa entrada na UE. Mas se não existe consenso dentro da União Europeia, em países como a Espanha, Eslováquia, Roménia, os quais não reconheceram o Kosovo como país independente, então não vejo razão para a União Europeia nos colocar esta condição.

 
A Comissão Europeia propôs recentemente que, em 2010, já não sejam necessários vistos para os cidadãos sérvios que circulam na UE. Este pode ser um sinal sobre o empenhamento da Europa na adesão da Sérvia?

É obviamente um sinal muito positivo, nós ficaremos muito agradados com esta medida. Os vistos são um grande problema para nós, principalmente para a parte mais activa da população; jovens, estudantes, empresários, artistas, aqueles que mais viajam são travados. Esta medida irá beneficiar a Economia, por exemplo, contribuirá para o aumento do turismo. Presentemente, as nossas agências de turismo deparam-se com imensas dificuldades, devido aos problemas que os vistos envolvem. Sem a necessidade de vistos, iremos beneficiar tanto em termos de política e atmosfera no país, como também em termos da economia e negócio.

 
O Partido Radical e o Partido Democrático, têm opiniões diferentes no que diz respeito à integração da Sérvia na EU. Este facto acresce ainda mais dificuldades a este processo?

Eu diria que de acordo com as sondagens, existem cerca de dois terços da população que apoiam a integração na União Europeia, existe portanto um grande consenso. Presentemente, temos uma grande coligação no Governo de Belgrado, cerca de treze partidos estão dentro da coligação. O Governo é dirigido pelo Partido Democrático, o partido do Presidente Tadic. Por outro lado, o Partido Radical foi dividido em dois, após as últimas eleições. O chamado Partido Progressivo é menos radical, em comparação com o clássico Partido Radical, sendo que este novo partido é muito mais flexível no que diz respeito a esta problemática sobre a União Europeia. Então, eu penso que se pode dizer que existe uma maioria para a União Europeia no Parlamento sérvio, como também na opinião pública.

 
Se a Sérvia aderir à EU, quais serão as vantagens para a Sérvia?

Esta é uma pergunta clássica para todos. Eu penso que esta é a questão mais premente que se põe agora com o Tratado de Lisboa e que diz respeito, por exemplo, a países como a República Checa e o Reino Unido. Eu tomo sempre em consideração o exemplo de Portugal. Eu penso que a adesão na União Europeia foi útil para Portugal, permitindo a modernização da economia e infra-estruturas, mas também passou a ser um país mais aberto à Europa e à Espanha, seu vizinho. Sendo que é precisamente isto que nós esperamos da União Europeia. Quando estive na Sérvia, tive a oportunidade de discutir em diferentes lugares, pequenas e grandes cidades, acerca da utilidade da União Europeia, o porquê de nós estarmos a tentar entrar na União Europeia. Eu penso que as pessoas compreendem, sem qualquer grande explicação, que a União Europeia é uma ponte para as relações pacíficas. Isto é algo muito importante para todos nos Balcãs. Em primeiro lugar, nós temos muitas questões difíceis com os nossos vizinhos, não queremos mais guerras sangrentas e a União Europeia pode ajudar na resolução dos nossos conflitos. Ao contrário de Portugal e Espanha, o nosso caso é muito mais complicado, pois nós temos oito vizinhos e com cada um deles temos diferentes questões ou simplesmente, diferentes relações históricas. Em segundo lugar, a Sérvia já se encontra economicamente desenvolvida como tal, a entrada na União Europeia seria extremamente benéfica para atrair novos investimentos. A entrada na União Europeia permitirá também a modernização em diferentes campos como a administração e legislação. Este processo de integração é extremamente complicado, mas também muito positivo para um país.

 
No início dos anos 90, a Federação Russa encontrava-se muito debilitada, hoje é conhecido o seu potencial económico, sobretudo a nível das riquezas energéticas. Actualmente como são as relações entre a Rússia e a Sérvia?

As nossas relações são excelentes, nós somos bons parceiros. Há alguns dias atrás, o Presidente Medveded esteve em Belgrado e nós assinámos diversos acordos no campo da cooperação económica. Um dos principais acordos tem a ver com o trânsito de gás, vai haver uma conexão entre as fontes de gás russas e consumidores europeus através do Mar Negro e os Balcãs, sendo que nós fazemos parte deste processo. Esta conexão tem o nome de South Stream. Nós temos a ajuda da Rússia em um bilião de dólares na nossa economia. A Rússia é obviamente um importante parceiro, suportando-nos nesta questão de integridade territorial respeitante ao Kosovo. Por todos estes aspectos, a Rússia é um importante parceiro para a Sérvia, mas o nosso objectivo número um é a integração na União Europeia.

 
A TAP tem voos regulares entre Lisboa e Zagreb, o que pensa ser necessário para existirem voos directos entre Lisboa e Belgrado?

Eu não sei, esta é uma boa questão. Eu ficaria extremamente agradado com a existência de voos directos para Belgrado, pelo menos uma vez por semana. Provavelmente, o que nós precisamos é um aumento de pessoas, de consumidores. Talvez estejam cerca de mil Sérvios a viver em Lisboa e eu estou certo que haveria muitos turistas Sérvios em Portugal se existissem voos directos. Então, eu diria que existe interesse em explorar a possibilidade de uma ligação directa.

 
Em 2008 foi criado o curso de Língua e Cultura Sérvia na Universidade de Lisboa, como se tem revelado o interesse dos alunos portugueses?

Nós ficámos surpreendidos pelo interesse positivo dos estudantes, tivemos no primeiro ano cerca de 20 estudantes, que até é um número bastante grande para tal língua. Eu espero que possamos continuar com esta cooperação em diferentes campos, eu penso que a cultura é uma área extremamente importante para a nossa cooperação. Na Sérvia todos conhecem o Fado, cantores e grupos portugueses como também alguns jogadores de futebol. Em Portugal muitas pessoas conhecem Emir Kusturica, um famoso director em alguns musicais, ele tem um grupo chamado “No Smoking Orchestra” e com regularidade vem a Portugal, diz ter também muito apoio em Portugal. Quando eu estive num concerto com três mil pessoas, foi realmente impressionante ver como os portugueses conheciam a sua música. Então, existe algum conhecimento recíproco das nossas culturas. Por exemplo, a tradução de livros, é uma área que não está suficientemente desenvolvida em ambas as partes, apesar de nós tentarmos financiar algumas traduções de livros. O Instituto de Camões está a ajudar no ensino de português na Sérvia. Em suma, eu penso que existe progresso e um melhor conhecimento em geral das duas culturas.

 
Em pleno século XXI, qual é a visão da Sérvia acerca de Portugal?

Como eu já referi, existe interesse da Sérvia por Portugal. Eu penso que povo Sérvio tem uma grande simpatia por Portugal, talvez por ser também um país pequeno, nós somos parecidos em termos de dimensão e população, mas provavelmente e em primeiro lugar, este interesse advém também do ponto de vista cultural com as suas diferenças e conexões. Por exemplo, no folclore do Minho existem aspectos que eu consigo identificar com o folclore Sérvio, isto é muito interessante. Na Sérvia, as pessoas olham para as diferenças e similitudes entre as nossas culturas, sendo que é por isso que Portugal é tão popular na Sérvia. Em segundo lugar, existe um grande interesse dos Sérvios para visitar Portugal, o interesse dos turistas é de facto muito grande.

 
O que falta para aumentar as relações culturais e económicas entre Portugal e a Sérvia?

Sim, o que nós precisamos neste momento é o aumento das nossas relações económicas, sendo que isso é algo que vai ajudar em outras áreas. Nós continuamos a não ter sérios investimentos, feitos por Portugal na Sérvia ou feitos pela Sérvia aqui, apesar de estarmos a trabalhar com afinco nesse sentido. Eu posso desde já mencionar, que este ano assinámos dois acordos, o primeiro destes acordos visou a promoção de investimento entre Portugal e Sérvia, o segundo foi acerca da cooperação na Defesa. Existem muitos negócios nesta área. Existem algumas outras áreas, nas quais será interessante investir como a energia, informática, comunicações, indústria alimentar e muitas outras mais.

 
Quais são as maiores diferenças culturais entre Portugal e a Sérvia?

Bem, a grande diferença talvez seja em termos de continuidade, a nossa história é pautada por muita descontinuidade porque nós estamos num cruzamento de países e fomos com frequência ocupados por outros países. Infelizmente, estivemos envolvidos na Primeira e Segunda Guerras Mundiais e tivemos muitas baixas com essas participações, isto fez com que a história da Sérvia seja caracterizada por muita agitação e mudança. A história de Portugal é muito mais contínua, só para começar, as suas fronteiras datam do século XII, algo que não é imaginável nos Balcãs, umas vez que nós tivemos tantas mudanças nas fronteiras e deslocações da nossa população. Então, eu diria que esta é a nossa grande diferença em termos históricos, mas se tivermos em conta, nos dias de hoje, a população de ambos os países, temos muitos mais aspectos em comum do que diferenças. Outra diferença dos dias de hoje, está relacionada com a emigração. Portugal tem muitos emigrantes, por enquanto nós continuamos sem emigrantes, talvez apenas alguns chineses.

 
Está a viver em Portugal há cerca de dois anos, sente alguma afinidade com a cultura portuguesa?

Sim, eu estou muito interessado, estou a aprender a língua e os meus filhos frequentam a escola portuguesa. Enquanto família, tentamos estar integrados neste país e compreender a cultura e o povo português. Nós apreciamos tudo, desde o clima até à cultura, música, literatura, comida. O meu português está a melhorar, eu consigo compreender muito melhor, já consigo ler livros em português. Contudo, quando se está num ambiente estrangeiro e quando todos os portugueses com quem eu contacto falam línguas estrangeiras, não me sinto tão obrigado a falar em português. É totalmente diferente quando se está na Espanha, onde quase todas as pessoas só falam em espanhol. Tenho a possibilidade de tentar exercitar o meu português quando visito a escola dos meus filhos.

Esta entrevista foi publicada na edição nº0 da revista Raia Diplomática, no dia 28.11.2009



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