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terça-feira, fevereiro 15, 2011

QUE MILAGRE EUROPEU?



 
Porquê o “milagre europeu”?

Por que razão as economias modernas encontraram o ponto de partida para o seu desenvolvimento global na experiência do subcontinente europeu? Para E.L. Jones, estamos perante a convergência de factores – o meio ambiente e o sistema político -, o que não aconteceu, por exemplo, com o Império Otomano, ou com a Índia e a China.

Foram a descentralização política e as raízes culturais, bem como o sistema económico comum, que favoreceram a tendência. E.L. Jones escreveu “O Milagre Europeu” (Gradiva, trad. de Edgar Rocha, 2002), que, pode dizer-se, é já um clássico das análises contemporâneas sobre as vantagens comparativas do nosso continente.
Porquê os Europeus? Esta pergunta tem razão de ser, mas muitas vezes não é feita, talvez por receio de eurocentrismo. No entanto, ao vermos a situação geográfica deste cabo da Ásia, percebemos que houve uma convergência de factores próprios, com repercussões indiscutíveis na história da Europa e do Mundo, que não podem deixar de ser devidamente estudados. Numa conferência de 1755, Adam Smith disse que “pouco mais é necessário para levar um estado de barbarismo para a opulência, do que a paz, impostos baixos e razoável administração da justiça; tudo o mais vem naturalmente com o curso dos acontecimentos”.

Talvez devamos começar por aqui, no entanto, não há uma chave única ou uma resposta uniforme. É preciso compreender as circunstâncias e em especial o facto de na Eurásia, nos séculos XVI, XVII e XVIII ter havido quatro sistemas político-económicos: o Império Otomano, no Próximo Oriente, o Império Mughal, na Índia, os Impérios Ming e Manchu, na China, e o sistema de Estados da Europa. Enquanto os impérios otomano, mughal, e manchu foram despotismos militares estranhos ao corpo da sociedade, que limitavam drasticamente as perspectivas de desenvolvimento, o que foi agravado pelo colonialismo, pela abertura forçada dos portos e pelos acordos comerciais desiguais, na Europa houve condições favoráveis à descentralização e à difusão dos progressos.

Não pode esquecer-se ainda que a localização da Europa favoreceu as vantagens próprias, desde o afastamento em relação às estepes da Ásia Central e dos efeitos das devastações provocadas pelos cavaleiros nómadas até à proximidade dos circuitos económicos e comerciais do Mediterrâneo e do Atlântico. Como afirma E.L. Jones: “A Europa tinha condições de contexto, localização e recursos de tal forma especiais que somos obrigados a agarrar esse espinho que é a explicação ambiental” A variedade política, a acumulação de capital e o comércio são factores parcialmente explicáveis pelas condições específicas da Europa relativamente ao meio geográfico e aos recursos”.
Benjamin Franklin afirmou que “a felicidade humana provém menos de grandes golpes de sorte, os quais raramente acontecem, do que das pequenas vantagens que ocorrem todos os dias”.

A complexidade das situações, a diversidade das circunstâncias obrigam a perceber que no caso europeu houve uma confluência de factores que suscitaram o “milagre”. Se W.W. Rostow analisou o crescimento segundo a sequência de Adam Smith – benefícios do comércio, alargamento do mercado, especialização por regiões – a verdade é que na China houve falta de transição natural e irresistível do comércio para a manufactura. A roda de fiar cânhamo, movida a água, e outros progressos conhecidos no século XIV, para não falar das navegações até à costa oriental de África, poderiam ter tido efeitos extraordinários, no entanto o uso das máquinas foi abandonado (por razões desconhecidas que poderão ter a ver com contradições e conflitos interno na dinastia Ming), com consequências inevitáveis de regressão. Também no império otomano a tipografia foi introduzida em 1726 em Constantinopla, mas a experiência foi interrompida entre 1730 e 1780, tendo sido produzidos apenas 63 títulos de 1726 a 1815. Note-se que a taxa de alfabetização era no centro da Europa então de 50 por cento, em comparação com os 5 por cento na Turquia, isto é, “uma diferença de 10 vezes, enquanto a diferença entre as taxas de publicação era de 10 mil”. Daí que os mercadores dos Balcãs tenham tido necessidade de infringir as regras turcas para conseguirem ter acesso a livros e jornais importados das cidades europeias”. E como estamos longe da certeira e oportuna metáfora de Meyerhof sobre o papel dos árabes na Europa do final da Idade Média: “os cientistas islâmicos reflectiram o Sol helénico depois de o dia terminar, iluminaram a sombria Idade Média europeia como uma Lua, acrescentaram algumas estrelas brilhantes, mas desapareceram com a Renascença”. Em contraponto, a Europa pôde beneficiar da abertura e do contacto entre zonas mais e menos desenvolvidas, num intercâmbio muito rico.

E o caso dos Descobrimentos é bem ilustrativo, beneficiando os portugueses da fecunda circulação de ideias e de informações do Mediterrâneo.

Pierre Chaunu (1923-2009), falecido na última semana, esclarece-nos sobre quais eram as motivações portuguesas: “para a burguesia obter terra para plantações de cana-de-açucar; para a aristocracia, simplesmente obter terra; para o Estado, obter fontes de abastecimento de cereais, dado que as colheitas eram insuficientes um ano em cada três e que o país estava cada vez mais dependente das fontes marroquinas. Estes eram os interesses principais, embora também estivessem presentes a curiosidade, o espírito missionário e de cristianização, assim como a procura de ouro”.

 E lembramo-nos do que disse Vasco da Gama ao judeu de Calecute: vimos em busca de ouro, cristãos e especiarias… E tudo vinha, afinal, do conhecimento de que os árabes tinham chegado bastante ao sul ao longo da costa oriental de África.

 Por isso, os portugueses enviaram mensageiros a Ormuz e outros lugares, a fim de tentarem recolher informações seguras sobre o extremo sul de África, principalmente judeus, pois podiam contar com o apoio de comunidade judaicas existentes ao longo das rotas comerciais.
Verifica-se facilmente que os europeus não foram nem os únicos nem os primeiros grandes comerciantes. O que aconteceu foi a reunião de condições especialmente favoráveis que corresponderam a um caso de sucesso na resposta aos estímulos. “O que distinguiu o caso europeu foi o notável aumento do comércio de grande volume ligando regiões bastante afastadas, o carácter multilateral e o facto de negociar bens de consumo corrente, e não apenas os bens sumptuários que sempre tinham dominado o comércio de longo curso”.

Verificamos haver uma extraordinária capacidade para aproveitar oportunidades. Isso foi-se dando ao longo do tempo, de um modo gradual e estável. “Foi o conjunto (diz E.L. Jones), e não um elemento único miraculoso, que produziu os resultados que conhecemos.

Um contexto relativamente estável e, principalmente, os limites às arbitrariedades devidos a um cenário político concorrencial, foram condições fundamentais para o crescimento e o desenvolvimento.

A Europa escapou aos perigos de gigantescos impérios centralizados, o que não aconteceu na Ásia. Para além disso, o desenvolvimento europeu resultou de um processo cumulativo histórico”.

Se falamos de um “milagre” referimo-nos a uma reunião de factos excepcionais. Deles temos de ter consciência. Hoje, a Europa confronta-se com o desafio da coordenação, ao invés da harmonização. Uma União de Estados livres e soberanos tem a seu cargo a missão de seguir as boas lições e os exemplos positivos.


Guilherme d' Oliveira Martins é Presidente do Tribunal de Contas, do Centro Nacional de Culrura e membro do Conselho Editorial da revista Raia Diplomática

Este texto foi publicado na revista Raia Diplomática no dia 28.11.2009

1 comentário:

Anónimo disse...

ola,sou aluna de Relaçoes Internacionais da PUC MINAS, achei pertinentes todas as colocaçoes e quero parabenizar o autor mas gostaria de enfatizar q esse "milagre europeu" tambem é chamado por muito por "catastrofe europeia". E q os beneficios nao foram compartilhados reciprocamente pelo mundo.Vale a pena ressaltar os impactos q isso gerou e quebrar o pensamento europocentrista q criamos ao longo da historia.
um abraço
Valéria Ferreira Belo Horizonte-mg