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segunda-feira, fevereiro 07, 2011

A TRANSFORMAÇÃO DAS RELAÇÕES LUSO-ESPANHOLAS NO MARCO DA CONSTRUÇÃO EUROPEIA - O RELACIONAMENTO CULTURAL - 5ª PARTE



Se há algo no que a adesão à União teve nula ou mínima influência é no âmbito do relacionamento cultural. Salvando as lógicas distâncias, atrever-me-ia a dizer que o relacionamento, quanto menos entre os setores culturais mais activos da Galiza e Portugal, tanto qualitativa como quantitativamente era maior nos anos vinte e trinta do que no presente (assim pode verificar-se nas principais publicações galegas do momento). Embora se tenham produzido interessantes iniciativas institucionais como o excelente Museu Ibérico do Traje em Bragança ou a Fundação Rei Afonso Henriques em Samora o contato entre a sociedade civil de um e outro lado da raia é extremamente fraco. E quando existe o apoio institucional fica ausente. Pense-se na excelente candidatura Galego-Portuguesa para o reconhecimento do nosso comum patrimônio imaterial pela UNESCO. A retórica nem sempre condiz com a realidade.

Embora hoje fique mais velado nesta retórica, é sabido que da parte espanhola existiu sempre um desdém, menosprezo ou quanto menos desinteresse ou indiferença em todo o relativo a Portugal, sustentados numa suposta superioridade em dimensão e peso internacional (tanto no económico como no cultural). Da parte portuguesa, esta percepção correspondeu-se com um sentimento de admiração e inferioridade, que explica anomalias como a famosa entrevista do jornal Sol, na que uma parte significativa dos entrevistados manifestava concordar com a possibilidade de uma hipotética incorporação espanhola de Portugal. Isto em um dos estados europeus que melhor de adéqua ao conceito orgânico de nação (especialmente se se compara com o fracassado projeto nacional espanhol, em plena decomposição).

Como exemplos do dia a dia, e permitindo-me ir para a minha área de pesquisa e docência, reto aos presentes a que tentem comprar qualquer jornal português nas bancas da Galiza ou outras regiões fronteiriças, nas que, no entanto, se disponibilizam diários ingleses, franceses, italianos, germânicos ou árabes. Ainda assim, os jornais espanhóis (como El País) não só estão disponíveis senão que se consideram “de referência”, tanto nas discussões como na própria comunicação social portuguesa. O caso contrário nunca se viu. Ainda, observe-se como, bem por cabo ou pelo ar, é possível receber os sinais das televisões espanholas, enquanto na Galiza os ativistas lusófonos levam anos reclamando o direito a poder receber os sinais portugueses, existindo de fato um informe da União Europeia no que se condena ao Estado espanhol por colocar todos os impedimentos possíveis para que esta reclamação se materialize. Em um estudo que realizamos em 2000 evidencia que a dinâmica de conteúdos nos meios espanhóis e portugueses também é antagônica: enquanto nos jornais portugueses a informação relativa aos seus vizinhos resultava notória em todos os âmbitos (desde a política aos desportos) no caso contrário a informação sobre Portugal era testemunhal. E, finalmente, nem é necessário levantar a questão linguística, sendo que os espanhóis acham absolutamente natural que os portugueses se dirijam a eles em espanhol enquanto o contrário resulta inimaginável para uma maioria.

Joám Evans Pim, Director do Instituto Galego de Relações Internacionais e da Paz

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