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segunda-feira, fevereiro 21, 2011

OS FRUTOS DA IMIGRAÇÃO



As histórias de imigrantes que diariamente chegam a Portugal multiplicaram-se na última década. Na expectativa de uma mudança para uma qualidade de vida melhor, os entraves da integração de muitos imigrantes passam por factores não só de ordem social como também por factores associados à aprendizagem que está inerente à necessária adaptação a uma comunidade diferente.

Milhares abandonam a rotina, deixam a cultura que sempre conheceram e, muitas vezes, abdicam da presença familiar com o objectivo de lutarem por uma qualidade de vida ideal. Mas será isto que um imigrante encontra ao chegar a Portugal? E o que é ser imigrante? Estará a nossa sociedade disponível para aceitar e compreender as motivações desta mobilidade?

Terá a sociedade portuguesa o necessário entendimento para acolher imigrantes enquanto membros efectivos desta sociedade dado que foi a sociedade que elegeram para viver e reconstruírem uma vida nova? Numa altura em que a crise económica e financeira está visível em todo o mundo, será que Portugal, um país que acumula milhares de desempregados e onde a palavra emprego assume uma importância fundamental, tem capacidade para acolher estes imigrantes? E qual será o contributo destes imigrantes para a sociedade Portuguesa?

A Imigração é um fenómeno de mobilidade que acompanha, praticamente, todas as gerações, no entanto, actualmente, este fenómeno é encarado com algum negativismo sendo, em alguns países, motivo de exclusão social.

Desde o ano de 2000, Portugal verifica uma subida da Taxa de Imigração apesar dos números terem apresentado uma estagnação em meados de 2005. Actualmente, Portugal é o sétimo destino de eleição, escolhido, principalmente, por cidadãos provenientes da Europa de leste, dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP’S) e do Brasil. Esta escolha, que visa uma prosperidade económica, nem sempre alcançada, obriga a uma integração e a uma aprendizagem de novos costumes, de uma outra cultura, forçando a criação de relacionamentos com membros da sociedade portuguesa, aceitando novos direitos e obrigações inseridos em qualquer sociedade.

As associações que visam apoiar os imigrantes em Portugal como, a INDE e o Conselho Português para o Refugiado, consideram fundamental que exista, por parte da sociedade de acolhimento, uma concessão do acesso não só às instituições e recursos, como também ao mercado de trabalho, à educação, à habitação, aos sistemas de saúde, não podendo esquecer a participação política e o reagrupamento familiar.

Daniela Armanda, 23 anos, nascida na Moldávia, vive em Portugal há mais de 5 anos com o marido e os dois filhos que já nasceram em Portugal. Daniela carrega um ar pesado que faz adivinhar um percurso de sua vida longo. Não tem trabalho. O tempo em Portugal é ocupado

A vender pensos rápidos em centros comerciais, hipermercados e nas ruas do Campo Pequeno, em Lisboa, Daniela, tenta apelar à sensibilidade dos milhares de pessoas que por ali passam diariamente. “Hoje ainda não fiz dinheiro que chegue para comprar leite para o meu bebé de 4 meses”, afirma.

Quando chegou a Portugal Daniela e o marido foram viver e trabalhar para Vila Real de Santo António, no Algarve, numa quinta onde ocupavam 12h do seu dia entre a construção civil e a agricultura, para além dos trabalhos domésticos que faziam parte das funções de Daniela. Numa tentativa de explicar a situação em que se encontra a sua família, Daniela diz que o proprietário da quinta “aproveitou-se de nós. Pagava-nos 200 euros a cada, não pagávamos renda mas não tínhamos contrato de trabalho, nem visto.

O meu marido trabalha a vender a revista “Cais” e do ordenado dele temos que pagar renda, luz e água e temos que comer e dar sustento aos nossos filhos. É uma vida muito difícil e vivo na esperança de que os meus filhos não vejam a tristeza pela qual passamos todos os dias”. A história de Daniela repete-se, principalmente, pelas ruas da capital. Os imigrantes provenientes da Europa de Leste, como da Moldávia, da Ucrânia, da Roménia e da Rússia, são, cada vez mais.

Este aumento foi, claramente, uma consequência do encerramento das fronteiras por parte dos países da Europa do Norte onde os imigrantes encontraram, como alternativa, Portugal e Espanha dado o desenvolvimento económico, principalmente na área da construção civil.

Juntamente com esta realidade, as Associações e os Grupos de Apoio foram aumentando com vista a darem resposta e acompanhamento a milhares de imigrantes que não têm qualquer meio de subsistência.

A INDE (Intercooperação e Desenvolvimento) é uma ONG (Organização não Governamental) a trabalhar em Portugal, que tem como objectivo participar e ajudar o desenvolvimento dos imigrantes evidenciando a sua importância enquanto indivíduo.

Arnaud de la Tour, é um francês imigrado em Portugal a presidir a Associação INDE, há mais de 7 anos. Explica a necessidade e a importância de cada indivíduo em ser “um bom imigrante” mas também o papel que Portugal exerce na vida e no quotidiano de cada imigrante e como o seu contributo é “essencial e fulcral” não só no processo de inserção bem como “e não menos importante, no processo da aplicação dos conhecimentos adquiridos em Portugal no país de origem”.

O salão Multiusos da Fundação Aga Khan, centro Ismaili em Lisboa, foi palco de uma formação dirigida pela INDE, envolvendo várias associações de Migrantes em Portugal, no âmbito do projecto “Educação para o Co-desenvolvimento (EDUCODEV)” projecto esse financiado pela União Europeia (UE), enquadrado no programa “Migrações e Desenvolvimento”.

O objectivo do projecto EDUCODEV passa por sensibilizar e formar as associações responsáveis por cada comunidade de imigrantes no país e a sociedade portuguesa sobre os interesses que envolvem esta temática.

“Pretendemos assim procurar colocar o migrante enquanto agente de desenvolvimento tanto no país de origem como no de acolhimento. Qualquer indivíduo que chegue a Portugal tem direito a ser um cidadão e a ser visto como tal e isto não tem, necessariamente, que significar a perca do estatuto do país de origem”, afirma Arnaud. Arnaud fala das diferentes adaptações dependendo do país de origem do imigrante. “A adaptação de um imigrante membro da UE é, sem dúvida, muito diferente da adaptação de um imigrante proveniente de outro continente. Os obstáculos e dificuldades, quer a nível legal quer a nível social, são menores.

Arnaud fala da importância que muitas associações assumem “no desenvolvimento e apoio à inserção social. As dificuldades de integração na sociedade portuguesa diferem de imigrante para imigrante, mas segundo o dirigente da INDE “ as barreiras raciais são as mais visíveis e também as mais difíceis de combater “, considerando, ainda, como “inaceitável” que numa sociedade como a portuguesa ainda existam “comentários sobre a cor do cabelo ou a cor de olhos ou a cor da pele. E isso não faz de nós indivíduos diferentes”. Este factor de “mentalidade de resistência de algumas ideologias, trata-se de uma questão colonial e cabe a cada um de nós lutar contra isso”, reforça.

Outras Associações apontam outros factores que dificultam essa integração, factores que estão, muitas vezes, disfarçados. Paulo Sadokua, preside a Associação dos Ucranianos em Portugal, desde a sua formação, em Junho de 2003, considera que são variadas as dificuldades encontradas pelos Ucranianos imigrados em Portugal.

Na altura das obras para o Campeonato Europeu de Futebol de 2004 (Euro 2004), Portugal recorreu ao mercado estrangeiro para cumprir datas e receber assim aquele que foi, considerado pela UEFA, o mais bem organizado Europeu de Futebol de sempre. Após este período, as dificuldades para estes imigrantes temporários tornaram-se reais.

“O primeiro encontro que houve em Portugal, reunindo ucranianos, aconteceu por iniciativa do Patriarca de Lisboa, em 2001, e juntou, num só dia, cerca de 2000 ucranianos. Foi aí que podemos perceber a dimensão do número de ucranianos na cidade de Lisboa e também dos maiores problemas que enfrentavam enquanto imigrantes”, diz Paulo Sadokua.

Portugal acolhe, segundo as ultimas estatísticas do Relatório Imigração, Fronteiras e Asilo, de 2007,cerca de 52 000 imigrantes provenientes de Ucrânia, no entanto o presidente desta comunidade considera que “estes números não representam imigrantes que saíram do seu país com o objectivo de iniciar uma vida em Portugal, são frutos de um novo decreto que surgiu em 2007, a lei do reagrupamento familiar, quando o número rondava os 39 000. A situação económica actual em Portugal não difere muito da actual na Ucrânia, eu não acredito que é a busca por uma vida melhor que trás um cidadão Ucraniano a Portugal”, refere o dirigente.

Paulo Sadokua refere ainda que “muitas das dificuldades estão associadas ao factor cultural e ao factor linguagem. “ Há muitos imigrantes que desconhecem os seus direitos enquanto cidadãos e enquanto imigrantes. Como não entendem a língua isso impossibilita-os de defenderem os seus direitos na sociedade”, acrescenta.

As dificuldades de integração de cidadãos imigrados em Portugal foram, também, salientadas por membros da Associação Guineense de Solidariedade Social. A socióloga Ana Correia, a trabalhar na instituição desde 1996, apresenta outras dificuldades, como o dos “forçados imigrantes”, ou seja, “pessoas que chegam a Portugal vindos dos PALOP’S em busca de tratamento médico e que ficam impossibilitados de regressar ao seu país de origem”. Para além deste aspecto, a socióloga caracteriza, ainda, como importante perceber “se essas pessoas querem ser integradas na sociedade, como é o caso de comunidades como a chinesa, que se fecham em núcleos onde essa necessidade não existe”.

A associação tem como objectivos “apoiar todo e qualquer imigrante no apoio Jurídico, na procura de trabalho bem como na formação profissional tendo, também como função apoiar doentes provenientes da Guiné em busca de tratamento médico especializado” afirma a socióloga

Para os dois profissionais e especialistas no trabalho com imigrantes “o sistema não está preparado para as necessidades do imigrante, em vários níveis, especialmente no processo de regularização no país. As principais dificuldades que nós encontramos são limitadas pelo próprio sistema, e quando assim o é, as pessoas ao apresentar-nos as suas dificuldades combinadas com as que nós já encontramos, isso agrava e dificulta ainda mais o processo de integração”.

Do ponto de vista da Associação, não estão criados, ainda, os mecanismos próprios para dar resposta aos entraves face à integração.

As ambições e expectativas criadas por estes indivíduos que “mergulham” em Portugal para assim se deliciarem naquelas que serão águas mais tranquilas e ricas, num país onde cada vez mais deixa de existir uma classe média, tornam-se em “frutos” muitas vezes amargos, de difícil digestão, para os que desconhecem a realidade de um país que já pouco oferece a um imigrante.

Será nosso dever e “obrigação” contribuir para a melhor integração de um imigrante, para assim contribuir para um melhor bem-estar e vida em sociedade? Ou a linha do preconceito e nacionalismo deverá delimitar e estabelecer “as diferenças” que nos tornam tão comuns simultaneamente? Não seremos todos imigrantes? Num país de tantos emigrados?

Este texto foi publicado na edição nº0 da revista Raia Diplomática, no dia 28.11.2009

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